quarta-feira, outubro 10, 2007

Sobre Prostituição e Feminismo

Querido João,

Primeiro, e antes que me esqueça, queria pedir-te que começasses a tua próxima carta com uma pequena apresentação pessoal, para que os leitores do Verdelima, que não te conhecem já de outros blogs, te conhecessem agora.

Segundo, queria salientar aqui – por muito óbvio que seja – o novo formato do Verdelima. Como prometido, o Verdelima mudou um pouco o lay-out e introduziu um novo método de ‘postagem’, mas garante continuidade na excelência de conteúdos.
A partir de aqui este blog que estás agora a ler (tu e os nossos leitores em geral) será escrito em parceria (como deves saber, visto seres tu o meu colaborador) e irá tentar criar um elo entre os temas que fervem em Portugal e aqueles que fervem no resto do Mundo. Tu que estás em Lisboa e tens, por isso, uma melhor perspectiva sobre a diáspora portuguesa – eu que me encontro em Londres, de onde tenho maior acesso aos assuntos do Mundo. Contudo, para assegurar os nossos leitores, que poderão estar agora aterrorizados com a ideia do Verdelima se tornar mais um blog jornalístico/colunista enfastiante, relembro que tanto eu como tu sabemos, que por entre os temas mais sérios sobressairão as nossas próprias opiniões, histórias mais pessoais (eventualmente relativas à Escola Alemã, à minha Universidade ou a outros pontos dispersos das nossas vidinhas quotidianas) e simples questões que possam estar a fervilhar no momento nas nossas criativamente férteis cabecinhas.
Dito isto passo agora ao tema que me veio à ideia hoje.

Não sei se sabes, mas passa agora na televisão privada britânica (conhecida pela sua muito baixa qualidade e conteúdo comercial e generalista) uma série baseada na polémica biografia de Belle de Jour uma ‘sofisticada’ prostituta em Londres.
Tanto a versão televisiva como o romance original exibem o mundo da prostituição enquanto um planeta acolchoado, repleto de clientes jovens, atraentes e bem abastecidos de dinheiro e bom gosto.
A verdade contudo é bem diferente. ‘Prostitutas de Classe’ à parte – se é que a categoria de facto existe – a prostituição é feita maioritariamente de jovens traficadas da Europa de Leste, de toxicodependentes e de mulheres que se encontraram um dia encurraladas entre a morte e uma qualquer outra sorte não muito melhor.
Uma exposição recentemente montada no centro de Trafalgar Square, Londres, chamava a atenção para o submundo do tráfico humano para prostituição. ‘The Journey’, organizado pela ‘Helen Bamber Foundation’ conta a história de muitas mulheres na Europa de Leste, que se deixam levar pelo sonho de uma vida melhor e acabam em pequenos apartamentos imundos, sem permissão para sair sobre qualquer pretexto e com a obrigação de servir até quarenta (sim, 40!) clientes por dia. No prestigiado jornal ‘The Guardian’ a colunista Madeleine Bunting refere um estudo efectuado pela London Metropolitan University, que pela primeira vez põe na berlinda o cliente em vez da prostituta. Os resultados são no mínimo interessantes: apenas 7% dos questionados afirma que renunciaria o serviço se suspeitasse de coacção sobre a prostituta. Maiores factores para desistência de serviços são a suspeita de a prostituta ser portadora de DST’s ou desta ser fisicamente inatraente.
A questão subjacente aqui é se a televisão, a pop-culture e a literatura light não estarão a romancear, e consequentemente a ‘aligeirar’ a questão da prostituição. A ‘profissão mais antiga do Mundo’ não é feita de negligées, de jogos de atracção e aventuras sexuais aliciantes. É a abnegação do corpo em vantagem de uma vida isenta de alma, vazia até de espírito, apodrecido pelos anos de mutilações psicológicas. Num país que se declara moderno e pró-emancipação feminina como pode ser aceitável – iria até mesmo ao ponto de dizer aliciante – o retratar da mulher de um modo comercial. A mulher enquanto produto. Ao mesmo tempo que nós mulheres nos consideramos cada vez mais independentes, informadas, donas dos nossos próprios destinos, opiniões e contas bancárias, a nossa adquirida liberdade sexual parece ser erroneamente tomada por simples promiscuidade. O problema não é de agora (os nossos pais lembrar-se-ão das polémicas geradas em volta da então jovem cantora Madonna durante os escaldantes anos 80) mas ‘The Secret Diary of a Call Girl’ – ao contrário de outras séries como o ‘Sexo e a Cidade’ e ‘Donas de Casa Desesperadas’ – não aproxima as camadas sociais mais conservadoras da autonomia sexual feminina do século XX. Pelo contrário: mistifica ainda mais o papel da mulher, destorcendo-o e reflectindo a meu ver (e no de Madeleine Bunting) uma ideia machista da mulher enquanto objecto sexual.
Liberdade não é uma mulher dizer abertamente que obtêm controlo sobre homens por via de sexo. Feminismo não é, como a autora de ‘Belle de Jour’ descreve (e vou parafrasear), “ganhar poder em troca de trabalho sexual (…) fazer homens impacientarem-se e enfurecer-se a meu belo prazer”… Chavões criados por uma sociedade misógina e hipócrita. Porque feminismo é exactamente o inverso. Feminismo é acordar todos os dias com a oportunidade de se mudar se assim o quisermos. É ter a liberdade de não termos que trocar o nosso orgulho pela oportunidade de sobreviver. E é acima de tudo debater, questionar e viver tudo isto na nossa condição de Mulher.

Pronto, espero não ter exagerado muito no tamanho, mas o tema interessou-me a sério.
Beijinhos directamente de Londres para Portugal,
Joana